Capítulo 1 - Metamorfose
#original
Gabriel abriu seus olhos pela manhã, mas não fora o despertador que o despertara, mas sim o som de uma mensagem. Seu celular o avisava de um e-mail, uma resposta de um de seus primos no Brasil. - Isso!! Pedro conseguiu o que eu precisava pro projeto! - E quase num salto desajeitado ele caiu da cama e com certa dificuldade se levantou, caminhando até a escrivaninha que ficava não muito distante da cama. próxima à porta. O jovem de seus dezessete anos, havia pedido aos primos uma ajuda com um trabalho da escola. Ele tinha de armar uma espécie de árvore genealógica, porém ao invés de expressar nela os sua ancestralidade por meio de pais e avós, ele devia mostrar a sua descendência étnica. Gabriel vivia viajando com a mãe, esta que era advogada de uma multinacional. Ele e a mãe se mudaram para os Estados Unidos, e agora ele tinha o que precisava para seu primeiro trabalho escolar. Ele perdera a primeira semana de aula por causa do atraso na viagem, porém ele teve acesso ao que precisava graças a um vizinho que estudava no mesmo colégio. Como esperava, um de seus primos lhe trazia boas notícias, alguns documentos, e até fotos, falando sobre as heranças indígena e africana do lado de seu pai da família. Sua mãe por outro lado era descendente de portugueses e japoneses, fazendo assim com que houvesse um bom material a se trabalhar no projeto.
Ele procurou os outros materiais, organizando-os numa pasta com o parte escrita e as fotos, até que estava tudo pronto e arrumado. Toda a sua procura descendência estava descrita ali, para que pudesse se apresentar. Afinal ele não estaria apenas apresentando um trabalho, mas estaria se apresentando para a turma. "Quem liga para popularidade?" Era algo que ele certamente pensava, mas sabia o valor de um bom entrosamento social. Este seria seu último ano antes da faculdade, e com certeza ele teria que se esforçar bastante para poder completar os requerimentos de aceitação. Ele tinha boas notas, faltava apenas as atividades extracurriculares, e é claro que ele teria de arranjar algo que lhe fosse atrativo, mas antes teria de chegar à escola e conhecer os clubes. Gabriel não gostava muito que lhe incomodassem, gostava do seu espaço pessoal e de respeitar os limites e ser respeitado. Com isso ele se preparava psicologicamente também, indo tomar banho e se arrumar. Iria com uma calça jeans, uma camisa regata vermelha com estampas de tigre, tênis esportivos negros, e é claro, uma jaqueta de couro preta, fina, só para não passar frio, pois lá não era como em sua terra natal, tropical. Seu instinto lhe fazia ficar apreensivo, afinal os americanos eram famosos na internet por serem xenofóbicos, pensava ele. Mas a questão era, não o conheciam, e ele falava inglês fluente sem problemas, então não haveria o que temer certo? E assim ele foi melhorando suas expectativas, indo do quarto para o corredor, descendo as escadas da bela casa colonial e indo para a cozinha, onde uma arrumadeira contratada pela mãe, fazia-lhe o café da manhã. - Bom dia Juanita. - Diria ele num tom amigável e com um sorriso no rosto, se aproximando para beijar o rosto da mulher de meia idade com vestes simples que estava ao fogão.
- Ai Gabriel, que coisa, desse jeito dispara meu coração menino. - Disse Juanita corada e arfando um pouco, parecia que ele a havia surpreendido. - Nossa, desculpe, eu não tinha a intenção de chegar de fininho. - Disse ele rindo um pouco sem jeito e se sentando à mesa. - Parece animado, hoje vai à escola? - Indagou ele trazendo panquecas com manteiga e mel à mesa. - Sim, acho que vou de carona com o Dylan, pelo menos ele disse que viria cedo. - Respondeu o jovem fazendo um gsto de oração com as mãos juntas antes de comer. - Ele deve chegar logo, são quase dez para as sete. - Afirmou ela sorrindo satisfeita, vendo como ele devorava a comida com satisfação estampada no rosto. Gabriel tinha por volta de um e setenta e cinco, pouco mais de sessenta quilos, cabelos e olhos castanho escuros, pele morena, cabelo meio ondulado, beirando o liso, e os olhos um pouco puxados. Ele não costumava sorrir para todos, na verdade, apenas quem o conhecia de fato ganhava a chance de vê-lo sorrindo, pois ele preferia se manter neutro quanto aos outros, ou quando não gostava de alguém apenas o olhava de forma que deixava isso bem evidente. Era um jovem sincero, em seus sentimentos e em suas ações, o que para alguns era um problema, para outros um traço bom.
Algumas buzinadas seriam ouvidas do lado de fora, e nisso o jovem quase engasgaria. - Deve ser ele. - Disse Gabriel limpando a boca à pressas, pegando sua mochila que havia deixado na poltrona da sala de estar ampla e iluminada, e saindo pela porta da frente branca. - Qual é cara? Vamos chegar tarde! - Resmungou o jovem de pele clara, roupas um tanto foscas em cinza e marrom, que tinha a cabeça raspada e uma voz um tanto desanimada. Ele dirigia uma caminhonete, um tanto velha, mas em bom estado, que estava parada à frente da casa, esperando por Gabriel. - Você que está atrasado. - Retrucou ele entrando no lado do passageiro. - E você tem calda ou sei lá o quê escorrendo pela boca, mas eu não estou te julgando. - Emendou Dylan, o que fez Gabriel olhar torto para ele enquanto pegava um lenço cinza em seu bolso da jaqueta e limpava a boca olhando no retrovisor. - Mentira, tinha nada não. - Disse o outro rindo e Gabriel apenas suspirou, enquanto saiam dali rumo ao colégio. Não tardaria para eles chegarem, e rapidamente estacionassem a caminhonete vinho. - Vamos logo. - Disse Gabriel já saindo do carro, deixando Dylan para trás. - Meu carro não tem fechamento automático... E ele já foi... - Dizia o amigo que ficara para trás, fechando as duas portas antes de rumar para a escola.
- Ufa... - Gabriel correu um pouco até chegar à sala de Estudos Sociais, e lá deparou-se com a professora, uma senhorita, de pouco mais de trinta anos, de pele negra e com cabelos cacheados ao estilo Black Power, que trajava roupas sociais de cor bege. - Presumo que seja o senhor Miyamoto. - Disse a professora com um sorriso, e nisso Gabriel apenas acenou que sim com a cabeça e foi procurar um lugar para se sentar. Nisso alguns o encaravam, garotas comentando sobre ele, alguns garotos olhando-o em reprovação, outros curiosos, e é claro que alguns risos ou comentários maldosos aconteceram, mas ele não tinha o porque de ligar para isso. Pouco depois Dylan chegou à sala, e a professora o parou com um leve gesto da mão. - Onde está sua mochila, senhor Maxwell? - Assim que ela fez essa pergunta, Dylan que estava ofegante por correr, simplesmente murchou em desânimo. - Ficou no carro... - Ele preparava-se para dar meia volta, quando a professora tocou em seu ombro. - Melhor se sentar... - Disse ela e alguns alunos riram.
- Bem alunos, temos alguém novo na sala, e ele é de fora do país. Eu sei que alguns de vocês já estão comentando entre si, por causa das chamadas e é claro por causa da entrada súbita dele, mas não, ele não é do Japão, mas sim do Brasil. Temos a apresentação de um trabalho hoje, que tal se contasse um pouco sobre você e sua família e depois você pode entregar o projeto? Por que não vem aqui na frente se apresentar? - A professora fez o esperado, chamando-o, porém Gabriel que já havia se sentado em uma das carteiras ao meio da sala, se levantou prontamente. - Eu sei do projeto, me informei com um vizinho que estuda aqui, eu tenho algo pronto se não se importar. - Afirmou ele levando à mesa da professora a parte escrita e então pegando consigo as cinco fotos que tinha. - Meu nome é Gabriel Miyamoto, tenho dezessete anos, e sou brasileiro. Essas fotos são dos meus bisavós. Por parte de pai sou bisneto de africanos da tribo Massai de guerreiros, e de índios brasileiros Tupi Guarani. Já por parte de mãe, sou bisneto de japoneses e portugueses. As fotos em sepia são dos meus bisavós paternos e da família do meu pai, as fotos em preto e branco são dos meus bisavós maternos e a família da minha mãe, já a foto colorida sou eu, minha mãe e meu pai. - Ele não perdeu tempo e começou a andar pela sala, deixando em cada uma das cinco fileiras uma das fotos, para que as passassem a diante. Seria então que uma jovem chamaria a atenção dele, era uma bela jovem de olhos verdes e cabelos cacheados longos, ela sorriu amenamente para ele, um sorriso agradável e singelo, e nisso ele se perdeu por alguns breves décimos de segundos. - E-eu, também gosto muito de Química e de Biologia. Meu sonho é trabalhar com preservação ambiental e eu também pratico artes marciais, o que eu acho que é meio obrigatório quando pensam num asiático, mas nada de jiu jitsu, se não acaba juntando esteriótipos demais. - O comentário dele arrancara algumas risadas, porém com certeza alguns riam mais dele ficando boquiaberto com a jovem da fileira da frente, do que com a piada de fato.
Os alunos continuaram rindo até que a professora limpou sua garganta e todos cessaram apreensivos. - Como a maioria aqui já notou o senhor Miyamura é meio comediante também, além de ser japonês, português, africano e indígena. Sua família deve ter uma bela diversidade cultural. - A professora tentou amenizar tudo, dando a chance de Gabriel explicar algo mais sobre a sua família. - A maioria da família em ambos os lados vive meio afastada, eu tive pouquíssimo contato com a minha avó materna e com alguns tios e tias paternos, fora isso as reuniões de família são quase sempre em casos raros. - Respondeu ele um tanto pensativo a princípio, mas tentando expressar-se um pouco contido. - Então presumo que a sua mãe tenha lhe ensinado um pouco sobre os costumes da família dela? - Continuou a professora, tentando ver se conseguia mais algo dele. - Bem, ela disse que meu avô morreu de câncer após a Segunda Guerra, ele era um dos poucos soldados que mantinham posição nos vilarejos ao redor de Hiroshima. Minha avó era bem conservadora e morreu faz pouco mais de um ano, ela me contava muito sobre folclore e histórias do passado. Era comum no Natal nós nos reunirmos na casa dela, eu, minha mãe e ela, para falarmos sobre essas coisas. Já do lado paterno, eu nem conheci meus avós, apenas meus tios, tias e muitos primos, muitos mesmo. Acho que daria para montar quase dois times de Futebol com eles. Meu pai morreu num acidente de barco, então tem sido só eu e minha mãe. - Gabriel não parecia abalado em falar de coisas ruins, na verdade algumas garotas pela sala olhavam com certo dó para ele, enquanto os garotos reviravam os olhos ou olhavam irados, como se ele estivesse sendo inconveniente. - Acho que é tudo por hora, senhor Miyamura, pode sentar-se ao lado da senhorita Oliver. - E nisso a professora apontou para uma carteira vaga à frente, logo ao lado da garota de olhos verdes. - Mas as minhas coisas estão mais para trás. - Murmurou ele um tanto baixo, quase inaudível. - Você fez um trabalho bem completo, e isso nem sequer era uma tarefa com um valor de nota alto, quero ver se é tão bom aluno no restante da aula. - E a professora sorriu desafiadoramente, não que ela fosse ameaçadora, apenas parecia querer testa-lo e com isso alguns alunos comentavam entre si. No entanto logo ele a acatou, Dylan voltou à sala de aula e foi se sentar atrás de Gabriel na segunda fileira da janela, à esquerda. A aula prosseguiu sem mais problemas, ao longo da manhã Gabriel se viu nas mesmas salas que a garota de olhos verdes, e agora um pouco mais descontraído sempre buscava sentar à frente, próximo a ela.
Era hora do almoço, e o que mais cativara a atenção de Gabriel, era a garota, "Senhorita Oliver", ela sorria para ele, e em diversas ocasiões pediu a ele emprestada a sua borracha ou seu apontador durante as aulas. Após pegar sua bandeja no refeitório, ele caminhava até a mesa onde Dylan se sentava, porém não tardou para algo acontecer. Foi rápido, alguém deixara o pé à frente dele, bem no corredor e ele tropeçou. O resultado foi desastroso, ele soltou a bandeja ao tropeçar, porém havia pego um sanduíche natural e uma garrafa de suco, estes que não foram danificados pela queda, apenas fazendo barulho. Sendo que ele nem havia caído de fato, apenas perdera o equilíbrio, mas manteve-se de pé. Foi aí que um jovem um tanto corpulento, loiro de olhos azuis se aproximou, pegou a bandeja e a empurrou contra o peito de Gabriel, assim que ele encontrava-se ereto. - Bons reflexos Miyagi. - Falou em tom de chacota, enquanto alguns garotos próximos riam, todos vestindo uma jaqueta vermelha e branca, que parecia ser de algum time esportivo escolar. - Valeu, até que eu gosto do apelido, mas não é nada original, eu já ouvi essa antes. - Respondeu ele encarando o outro, e nisso alguns dos garotos se levantaram. - Ai meu Deus, ele vai morrer no primeiro dia. - Comentou Dylan de longe, já passando a mão na cabeça e com feição de tensão. - Se acha engraçado, macaco? - Indagou o loiro, e os garotos começaram a rir e se sentaram. - Engraçado sim, primata não, apesar que quem gosta de pregar peças e chamar a atenção são os chimpanzés. Mas pode ser ofensivo chamar você disso, eles devem ter mais educação que você. - Gabriel retrucou tranquilamente, e alguns dos garotos pareceram não entender, outros no refeitório gargalhavam, e terceiros simplesmente ficaram estarrecidos com o comentário. - Vou te mostrar como educamos novatos aqui. - Na mesma hora que o rapaz ia pegar Gabriel pelo colarinho, ele empurrou a bandeja na garganta do mesmo, fazendo ele recuar tossindo, porém derrubando seu almoço novamente, e um dos garotos de jaqueta pisou no sanduíche, rompendo a embalagem de plástico.
- Estão querendo ficar os dois de castigo? - Não demorou para um professor, um bem grande e musculoso por sinal, se aproximar deles, e nisso o murmurinho e as risadas acabaram. De qualquer forma Gabriel pegou a garrafa de suco, pouco antes de um dos jogadores chutá-la, e saiu de sorrindo, acenando um tchau para eles. - Você é doido, sabia? - Disse Dylan dando para Gabriel uma gelatina verde e uma colher de plástico, que seria talvez sua sobremesa. - Doido ou não, eu não gosto de deixar um babaca falar o que quiser sem uma resposta à altura. - Respondeu ele abrindo a gelatina. - Espero que tenha espaço pra algo além da gelatina. - Uma voz feminina se fez presente, e os dois garotos que estavam sentado ao fim do corredor se viraram surpresos. - Oi, não precisava. - Disse Gabriel, enquanto a garota, a tal Senhorita Oliver, dava para ele metade do seu sanduíche natural. - O-oi... - Disse Dylan um tanto nervoso, gaguejando e suando. - Oi Dylan, eu conheço você desde a quinta série e você sempre fica assim. - Comentou ela rindo e se sentando ao lado direito de Gabriel. - Eu não perguntei o seu nome. - Afirmou Gabriel, logo após juntar as mãos em sinal de oração e começar a desembrulhar o lanche. - Nathalie, Nathalie Oliver. Mas a senhora Silva já fez o favor de dizer meu sobrenome. - Disse ela arrumando o cabelo por cima da orelha esquerda. - Acontece, acho que você viu aquilo. - Comentou ele um tanto encabulado. - Só o suficiente pra imaginar que estavam pegando no seu pé. Aquele é o Noah Parker, é o capitão do time de Lacross e é meio babaca sim. Ele só não meche comigo porque é meu ex. - E nisso Nathalie sorriu para Gabriel, olhando-o nos olhos e depois pegando seu celular que parecia ter recebido uma mensagem. - Minha irmã precisa de mim, eu já vou. Bom almoço. - Ela rapidamente se levantou, levando consigo sua bandeja, sorrindo para Gabriel novamente. - Eu não acredito, no primeiro dia você arruma uma briga com o Parker e ainda chama a atenção da ex dele. Cara, eu diria que você é incrível, se eu não achasse que ele quer realmente te matar agora. - Dylan comentou, e nisso olhou numa dada direção para onde Gabriel também olhou e lá estava Noah, olhando fixamente para ele e falando "Eu vou te pegar", lentamente, por meio de linguagem labial. - Ele não vai fazer nada, relaxa. - Comentou Gabriel com desdém, começando a almoçar.
Tudo correu normalmente, e agora Gabriel arriscava falar um pouco com Nathalie entre as aulas, e ao fim das aulas, ele foi se inscrever me um dos clubes, sendo este o Clube de Química, para então ficar na primeira atividade do clube. No entanto a professora responsável tinha um compromisso, e os membros foram dispensados. - Eles nem me disseram o nome da professora, só falaram que não teríamos atividade hoje. - Dizia ele andando ao lado de Dylan, quando no estacionamento foram abordados por Noah e outros quatro jogadores de do time de Lacross. - Acho que ele não vai, não fazer nada. - Comentou Dylan e dois dos jogadores já vieram na direção dele, afastando-o de Gabriel, que em alerta desviou do caminho deles. - Está gostando de falar com a minha namorada, Miyagi? - Indagou Noah já estralando os punhos. - Ex namorada, e pelo que me consta o que você chama de "dando um tempo", foi um belo pé na bunda, porque você é um babaca. - Respondeu Gabriel despreocupado e na mesma hora Noah veio para cima dele com um soco, porém ele se defendeu com o braço esquerdo em guarda e deu um jab de direita, acertando em cheio o nariz do outro. - Filho da puta!! - Exclamou o jogador enciumado, com o nariz escorrendo sangue. - Nariz de vidro, e olha que você joga um esporte de contato. - Mal Gabriel fez seu comentário e os outros dois jogadores vieram pra cima dele, em meio à saraivada de socos desengonçados dos agressores ele não conseguiu contra-atacar, apenas se defendia, até que um dos que seguravam Dylan o acertou na nuca, desmaiando-o. - Ele não fez nada, vocês que começaram! - Exclamou Dylan se soltando o outro que o prendia sozinho, e indo para perto de Gabriel, quando foi empurrado no chão por Noah. - Ele vai ter a lição dele, ninguém meche com Lacross, e você vai ficar quietinho, se não será o próximo. - Ameaçou Noah, conforme os quatro outros jogadores pegavam Gabriel desacordado e o colocavam no porta-malas de um carro preto de modelo esportivo. - Esse macaco vai ter o que merece. - Comentou Noah limpando o sangue em seu nariz com a manga de sua jaqueta e entrando no carro com os outros.
Assim que Gabriel recobrou a consciência já estava sendo tirado do porta-malas e jogado em algum lugar, ele não via direito, estava zonzo. Ele sentia grama em baixo das mãos, um pouco de frio, além de estar escuro e haver sons de grilos, certamente era de noite e estava em algum lugar arborizado. No entanto ele mal se fez de pé, e alguém o atacava. Eram chupes, pisões, além mesmo pauladas com bastões de Lacross. Ele não sabia quantos o agrediam, para ele eram muitos, mas só haviam cinco ali de fato. - Está gostando macaco sul-americano de merda?! Heim?! Gosta de bancar o esperto?! Gostou de quebrar o meu nariz?! - A voz era de Noah, com certeza, mas logo a dor tomou conta, não havia o que fazer, seus ossos se partiam, seu sangue se mostrava presente, em feridas abertas e brotando pela boca. No entanto havia algo diferente, além das dores dos golpes, havia outra dor presente. Esta começou em seu peito, com seu coração acelerado e logo uma ardência tomou conta de suas veias, como se o seu sangue começasse a ferver. Aos poucos seus ossos começaram a estalar, não porque eram golpeados, mas porque se partiam e se expandiam de dentro para fora. A seguir foram seus músculos, que também começaram a se romper e a se refazer, aumentando de tamanho e fazendo sua pele saltar e se mover estranhamente. Em poucos instantes ele começou a urrar de dor, eram seus dentes, e suas unhas que davam-lhe a sensação de serem ferro quente em contato com a gengiva e os dedos. Um dos jogadores chamou a atenção dos demais, de que algo estava errado e logo eles pararam, e Gabriel se retorcia no chão, rolando e parecendo convulsionar. - Parar?! Está com peninha dele? - Noah estava decidido a continuar o espancamento, até que Gabriel urrou, porém seu som era inumano, era como um animal demoníaco ou algo que só se vê em filmes de terror. Aos poucos ele começou a se levantar, rosnando, grunhindo e arfando, seu corpo ainda estalava e fazia sons estranhos, porém agora era como se estivesse se reparando da surra para poder ficar de pé.
Os olhos dele cintilaram amarelados e de íris fina como a de um gato, tal qual sua boca exalava um odor forte e emitia vapor quente. Seu porte estava maior, e mais musculoso, não muito, mas o suficiente para se notar a mudança, além de que seus dentes eram agora presas e seus dedos tinham longas unhas, como garras. Seus olhos encaravam Noah diretamente, aqueles olhos amarelos felinos, que reluziam como ouro no escuro, gradativamente reduziram os espancadores a desesperados que corriam por suas vidas aos berros. Com suas orelhas esticadas e seu nariz encorpado, ele percebeu a posição de quem o interessava, e partiu num único e poderoso salto. Ele então correu, ainda parecia um humano, mas sua velocidade era absurda, tal qual ele se aproximou de Noah e o pegou pelo pescoço com tamanha facilidade com sua mão esquerda. - Desculpa, desculpa!! - Exclamava o capitão do time, aos prantos como uma menininha chorona, encarando uma face de olhar selvagem com cabelos avermelhados e mais longos, um tanto mais crespos. Rosnando mais e respirando quente à face de sua presa, o ser demostrava ter alguns pelos de cor bege crescendo em suas costeletas. No entanto, quando estava prestes a acertar com sua garra direita a barriga do jovem, um tiro ecoou no campo aberto onde estavam. Uma dor aguda seguida de uma sensação de dormência tomou conta das costas e logo do corpo todo da criatura, que caiu ao solo, gradativamente voltando ao seu estado humano. Dois indivíduos então se aproximaram, um homem e um jovem. O homem se aproximou de Noah e o conduziu até uma espécie de arquibancada, e lá deu a ele algo para beber, para se acalmar, e nisso o mesmo desmaiou. - Retiro o que disse antes, você não ia morrer, você ia matar. - O jovem era Dylan, e ele tentava erguer Gabriel, até que o homem que o acompanhava o ajudou, e juntos eles o levaram para a floresta.
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Gabriel abriu seus olhos pela manhã, mas não fora o despertador que o despertara, mas sim o som de uma mensagem. Seu celular o avisava de um e-mail, uma resposta de um de seus primos no Brasil. - Isso!! Pedro conseguiu o que eu precisava pro projeto! - E quase num salto desajeitado ele caiu da cama e com certa dificuldade se levantou, caminhando até a escrivaninha que ficava não muito distante da cama. próxima à porta. O jovem de seus dezessete anos, havia pedido aos primos uma ajuda com um trabalho da escola. Ele tinha de armar uma espécie de árvore genealógica, porém ao invés de expressar nela os sua ancestralidade por meio de pais e avós, ele devia mostrar a sua descendência étnica. Gabriel vivia viajando com a mãe, esta que era advogada de uma multinacional. Ele e a mãe se mudaram para os Estados Unidos, e agora ele tinha o que precisava para seu primeiro trabalho escolar. Ele perdera a primeira semana de aula por causa do atraso na viagem, porém ele teve acesso ao que precisava graças a um vizinho que estudava no mesmo colégio. Como esperava, um de seus primos lhe trazia boas notícias, alguns documentos, e até fotos, falando sobre as heranças indígena e africana do lado de seu pai da família. Sua mãe por outro lado era descendente de portugueses e japoneses, fazendo assim com que houvesse um bom material a se trabalhar no projeto.
Ele procurou os outros materiais, organizando-os numa pasta com o parte escrita e as fotos, até que estava tudo pronto e arrumado. Toda a sua procura descendência estava descrita ali, para que pudesse se apresentar. Afinal ele não estaria apenas apresentando um trabalho, mas estaria se apresentando para a turma. "Quem liga para popularidade?" Era algo que ele certamente pensava, mas sabia o valor de um bom entrosamento social. Este seria seu último ano antes da faculdade, e com certeza ele teria que se esforçar bastante para poder completar os requerimentos de aceitação. Ele tinha boas notas, faltava apenas as atividades extracurriculares, e é claro que ele teria de arranjar algo que lhe fosse atrativo, mas antes teria de chegar à escola e conhecer os clubes. Gabriel não gostava muito que lhe incomodassem, gostava do seu espaço pessoal e de respeitar os limites e ser respeitado. Com isso ele se preparava psicologicamente também, indo tomar banho e se arrumar. Iria com uma calça jeans, uma camisa regata vermelha com estampas de tigre, tênis esportivos negros, e é claro, uma jaqueta de couro preta, fina, só para não passar frio, pois lá não era como em sua terra natal, tropical. Seu instinto lhe fazia ficar apreensivo, afinal os americanos eram famosos na internet por serem xenofóbicos, pensava ele. Mas a questão era, não o conheciam, e ele falava inglês fluente sem problemas, então não haveria o que temer certo? E assim ele foi melhorando suas expectativas, indo do quarto para o corredor, descendo as escadas da bela casa colonial e indo para a cozinha, onde uma arrumadeira contratada pela mãe, fazia-lhe o café da manhã. - Bom dia Juanita. - Diria ele num tom amigável e com um sorriso no rosto, se aproximando para beijar o rosto da mulher de meia idade com vestes simples que estava ao fogão.
- Ai Gabriel, que coisa, desse jeito dispara meu coração menino. - Disse Juanita corada e arfando um pouco, parecia que ele a havia surpreendido. - Nossa, desculpe, eu não tinha a intenção de chegar de fininho. - Disse ele rindo um pouco sem jeito e se sentando à mesa. - Parece animado, hoje vai à escola? - Indagou ele trazendo panquecas com manteiga e mel à mesa. - Sim, acho que vou de carona com o Dylan, pelo menos ele disse que viria cedo. - Respondeu o jovem fazendo um gsto de oração com as mãos juntas antes de comer. - Ele deve chegar logo, são quase dez para as sete. - Afirmou ela sorrindo satisfeita, vendo como ele devorava a comida com satisfação estampada no rosto. Gabriel tinha por volta de um e setenta e cinco, pouco mais de sessenta quilos, cabelos e olhos castanho escuros, pele morena, cabelo meio ondulado, beirando o liso, e os olhos um pouco puxados. Ele não costumava sorrir para todos, na verdade, apenas quem o conhecia de fato ganhava a chance de vê-lo sorrindo, pois ele preferia se manter neutro quanto aos outros, ou quando não gostava de alguém apenas o olhava de forma que deixava isso bem evidente. Era um jovem sincero, em seus sentimentos e em suas ações, o que para alguns era um problema, para outros um traço bom.
Algumas buzinadas seriam ouvidas do lado de fora, e nisso o jovem quase engasgaria. - Deve ser ele. - Disse Gabriel limpando a boca à pressas, pegando sua mochila que havia deixado na poltrona da sala de estar ampla e iluminada, e saindo pela porta da frente branca. - Qual é cara? Vamos chegar tarde! - Resmungou o jovem de pele clara, roupas um tanto foscas em cinza e marrom, que tinha a cabeça raspada e uma voz um tanto desanimada. Ele dirigia uma caminhonete, um tanto velha, mas em bom estado, que estava parada à frente da casa, esperando por Gabriel. - Você que está atrasado. - Retrucou ele entrando no lado do passageiro. - E você tem calda ou sei lá o quê escorrendo pela boca, mas eu não estou te julgando. - Emendou Dylan, o que fez Gabriel olhar torto para ele enquanto pegava um lenço cinza em seu bolso da jaqueta e limpava a boca olhando no retrovisor. - Mentira, tinha nada não. - Disse o outro rindo e Gabriel apenas suspirou, enquanto saiam dali rumo ao colégio. Não tardaria para eles chegarem, e rapidamente estacionassem a caminhonete vinho. - Vamos logo. - Disse Gabriel já saindo do carro, deixando Dylan para trás. - Meu carro não tem fechamento automático... E ele já foi... - Dizia o amigo que ficara para trás, fechando as duas portas antes de rumar para a escola.
- Ufa... - Gabriel correu um pouco até chegar à sala de Estudos Sociais, e lá deparou-se com a professora, uma senhorita, de pouco mais de trinta anos, de pele negra e com cabelos cacheados ao estilo Black Power, que trajava roupas sociais de cor bege. - Presumo que seja o senhor Miyamoto. - Disse a professora com um sorriso, e nisso Gabriel apenas acenou que sim com a cabeça e foi procurar um lugar para se sentar. Nisso alguns o encaravam, garotas comentando sobre ele, alguns garotos olhando-o em reprovação, outros curiosos, e é claro que alguns risos ou comentários maldosos aconteceram, mas ele não tinha o porque de ligar para isso. Pouco depois Dylan chegou à sala, e a professora o parou com um leve gesto da mão. - Onde está sua mochila, senhor Maxwell? - Assim que ela fez essa pergunta, Dylan que estava ofegante por correr, simplesmente murchou em desânimo. - Ficou no carro... - Ele preparava-se para dar meia volta, quando a professora tocou em seu ombro. - Melhor se sentar... - Disse ela e alguns alunos riram.
- Bem alunos, temos alguém novo na sala, e ele é de fora do país. Eu sei que alguns de vocês já estão comentando entre si, por causa das chamadas e é claro por causa da entrada súbita dele, mas não, ele não é do Japão, mas sim do Brasil. Temos a apresentação de um trabalho hoje, que tal se contasse um pouco sobre você e sua família e depois você pode entregar o projeto? Por que não vem aqui na frente se apresentar? - A professora fez o esperado, chamando-o, porém Gabriel que já havia se sentado em uma das carteiras ao meio da sala, se levantou prontamente. - Eu sei do projeto, me informei com um vizinho que estuda aqui, eu tenho algo pronto se não se importar. - Afirmou ele levando à mesa da professora a parte escrita e então pegando consigo as cinco fotos que tinha. - Meu nome é Gabriel Miyamoto, tenho dezessete anos, e sou brasileiro. Essas fotos são dos meus bisavós. Por parte de pai sou bisneto de africanos da tribo Massai de guerreiros, e de índios brasileiros Tupi Guarani. Já por parte de mãe, sou bisneto de japoneses e portugueses. As fotos em sepia são dos meus bisavós paternos e da família do meu pai, as fotos em preto e branco são dos meus bisavós maternos e a família da minha mãe, já a foto colorida sou eu, minha mãe e meu pai. - Ele não perdeu tempo e começou a andar pela sala, deixando em cada uma das cinco fileiras uma das fotos, para que as passassem a diante. Seria então que uma jovem chamaria a atenção dele, era uma bela jovem de olhos verdes e cabelos cacheados longos, ela sorriu amenamente para ele, um sorriso agradável e singelo, e nisso ele se perdeu por alguns breves décimos de segundos. - E-eu, também gosto muito de Química e de Biologia. Meu sonho é trabalhar com preservação ambiental e eu também pratico artes marciais, o que eu acho que é meio obrigatório quando pensam num asiático, mas nada de jiu jitsu, se não acaba juntando esteriótipos demais. - O comentário dele arrancara algumas risadas, porém com certeza alguns riam mais dele ficando boquiaberto com a jovem da fileira da frente, do que com a piada de fato.
Os alunos continuaram rindo até que a professora limpou sua garganta e todos cessaram apreensivos. - Como a maioria aqui já notou o senhor Miyamura é meio comediante também, além de ser japonês, português, africano e indígena. Sua família deve ter uma bela diversidade cultural. - A professora tentou amenizar tudo, dando a chance de Gabriel explicar algo mais sobre a sua família. - A maioria da família em ambos os lados vive meio afastada, eu tive pouquíssimo contato com a minha avó materna e com alguns tios e tias paternos, fora isso as reuniões de família são quase sempre em casos raros. - Respondeu ele um tanto pensativo a princípio, mas tentando expressar-se um pouco contido. - Então presumo que a sua mãe tenha lhe ensinado um pouco sobre os costumes da família dela? - Continuou a professora, tentando ver se conseguia mais algo dele. - Bem, ela disse que meu avô morreu de câncer após a Segunda Guerra, ele era um dos poucos soldados que mantinham posição nos vilarejos ao redor de Hiroshima. Minha avó era bem conservadora e morreu faz pouco mais de um ano, ela me contava muito sobre folclore e histórias do passado. Era comum no Natal nós nos reunirmos na casa dela, eu, minha mãe e ela, para falarmos sobre essas coisas. Já do lado paterno, eu nem conheci meus avós, apenas meus tios, tias e muitos primos, muitos mesmo. Acho que daria para montar quase dois times de Futebol com eles. Meu pai morreu num acidente de barco, então tem sido só eu e minha mãe. - Gabriel não parecia abalado em falar de coisas ruins, na verdade algumas garotas pela sala olhavam com certo dó para ele, enquanto os garotos reviravam os olhos ou olhavam irados, como se ele estivesse sendo inconveniente. - Acho que é tudo por hora, senhor Miyamura, pode sentar-se ao lado da senhorita Oliver. - E nisso a professora apontou para uma carteira vaga à frente, logo ao lado da garota de olhos verdes. - Mas as minhas coisas estão mais para trás. - Murmurou ele um tanto baixo, quase inaudível. - Você fez um trabalho bem completo, e isso nem sequer era uma tarefa com um valor de nota alto, quero ver se é tão bom aluno no restante da aula. - E a professora sorriu desafiadoramente, não que ela fosse ameaçadora, apenas parecia querer testa-lo e com isso alguns alunos comentavam entre si. No entanto logo ele a acatou, Dylan voltou à sala de aula e foi se sentar atrás de Gabriel na segunda fileira da janela, à esquerda. A aula prosseguiu sem mais problemas, ao longo da manhã Gabriel se viu nas mesmas salas que a garota de olhos verdes, e agora um pouco mais descontraído sempre buscava sentar à frente, próximo a ela.
Era hora do almoço, e o que mais cativara a atenção de Gabriel, era a garota, "Senhorita Oliver", ela sorria para ele, e em diversas ocasiões pediu a ele emprestada a sua borracha ou seu apontador durante as aulas. Após pegar sua bandeja no refeitório, ele caminhava até a mesa onde Dylan se sentava, porém não tardou para algo acontecer. Foi rápido, alguém deixara o pé à frente dele, bem no corredor e ele tropeçou. O resultado foi desastroso, ele soltou a bandeja ao tropeçar, porém havia pego um sanduíche natural e uma garrafa de suco, estes que não foram danificados pela queda, apenas fazendo barulho. Sendo que ele nem havia caído de fato, apenas perdera o equilíbrio, mas manteve-se de pé. Foi aí que um jovem um tanto corpulento, loiro de olhos azuis se aproximou, pegou a bandeja e a empurrou contra o peito de Gabriel, assim que ele encontrava-se ereto. - Bons reflexos Miyagi. - Falou em tom de chacota, enquanto alguns garotos próximos riam, todos vestindo uma jaqueta vermelha e branca, que parecia ser de algum time esportivo escolar. - Valeu, até que eu gosto do apelido, mas não é nada original, eu já ouvi essa antes. - Respondeu ele encarando o outro, e nisso alguns dos garotos se levantaram. - Ai meu Deus, ele vai morrer no primeiro dia. - Comentou Dylan de longe, já passando a mão na cabeça e com feição de tensão. - Se acha engraçado, macaco? - Indagou o loiro, e os garotos começaram a rir e se sentaram. - Engraçado sim, primata não, apesar que quem gosta de pregar peças e chamar a atenção são os chimpanzés. Mas pode ser ofensivo chamar você disso, eles devem ter mais educação que você. - Gabriel retrucou tranquilamente, e alguns dos garotos pareceram não entender, outros no refeitório gargalhavam, e terceiros simplesmente ficaram estarrecidos com o comentário. - Vou te mostrar como educamos novatos aqui. - Na mesma hora que o rapaz ia pegar Gabriel pelo colarinho, ele empurrou a bandeja na garganta do mesmo, fazendo ele recuar tossindo, porém derrubando seu almoço novamente, e um dos garotos de jaqueta pisou no sanduíche, rompendo a embalagem de plástico.
- Estão querendo ficar os dois de castigo? - Não demorou para um professor, um bem grande e musculoso por sinal, se aproximar deles, e nisso o murmurinho e as risadas acabaram. De qualquer forma Gabriel pegou a garrafa de suco, pouco antes de um dos jogadores chutá-la, e saiu de sorrindo, acenando um tchau para eles. - Você é doido, sabia? - Disse Dylan dando para Gabriel uma gelatina verde e uma colher de plástico, que seria talvez sua sobremesa. - Doido ou não, eu não gosto de deixar um babaca falar o que quiser sem uma resposta à altura. - Respondeu ele abrindo a gelatina. - Espero que tenha espaço pra algo além da gelatina. - Uma voz feminina se fez presente, e os dois garotos que estavam sentado ao fim do corredor se viraram surpresos. - Oi, não precisava. - Disse Gabriel, enquanto a garota, a tal Senhorita Oliver, dava para ele metade do seu sanduíche natural. - O-oi... - Disse Dylan um tanto nervoso, gaguejando e suando. - Oi Dylan, eu conheço você desde a quinta série e você sempre fica assim. - Comentou ela rindo e se sentando ao lado direito de Gabriel. - Eu não perguntei o seu nome. - Afirmou Gabriel, logo após juntar as mãos em sinal de oração e começar a desembrulhar o lanche. - Nathalie, Nathalie Oliver. Mas a senhora Silva já fez o favor de dizer meu sobrenome. - Disse ela arrumando o cabelo por cima da orelha esquerda. - Acontece, acho que você viu aquilo. - Comentou ele um tanto encabulado. - Só o suficiente pra imaginar que estavam pegando no seu pé. Aquele é o Noah Parker, é o capitão do time de Lacross e é meio babaca sim. Ele só não meche comigo porque é meu ex. - E nisso Nathalie sorriu para Gabriel, olhando-o nos olhos e depois pegando seu celular que parecia ter recebido uma mensagem. - Minha irmã precisa de mim, eu já vou. Bom almoço. - Ela rapidamente se levantou, levando consigo sua bandeja, sorrindo para Gabriel novamente. - Eu não acredito, no primeiro dia você arruma uma briga com o Parker e ainda chama a atenção da ex dele. Cara, eu diria que você é incrível, se eu não achasse que ele quer realmente te matar agora. - Dylan comentou, e nisso olhou numa dada direção para onde Gabriel também olhou e lá estava Noah, olhando fixamente para ele e falando "Eu vou te pegar", lentamente, por meio de linguagem labial. - Ele não vai fazer nada, relaxa. - Comentou Gabriel com desdém, começando a almoçar.
Tudo correu normalmente, e agora Gabriel arriscava falar um pouco com Nathalie entre as aulas, e ao fim das aulas, ele foi se inscrever me um dos clubes, sendo este o Clube de Química, para então ficar na primeira atividade do clube. No entanto a professora responsável tinha um compromisso, e os membros foram dispensados. - Eles nem me disseram o nome da professora, só falaram que não teríamos atividade hoje. - Dizia ele andando ao lado de Dylan, quando no estacionamento foram abordados por Noah e outros quatro jogadores de do time de Lacross. - Acho que ele não vai, não fazer nada. - Comentou Dylan e dois dos jogadores já vieram na direção dele, afastando-o de Gabriel, que em alerta desviou do caminho deles. - Está gostando de falar com a minha namorada, Miyagi? - Indagou Noah já estralando os punhos. - Ex namorada, e pelo que me consta o que você chama de "dando um tempo", foi um belo pé na bunda, porque você é um babaca. - Respondeu Gabriel despreocupado e na mesma hora Noah veio para cima dele com um soco, porém ele se defendeu com o braço esquerdo em guarda e deu um jab de direita, acertando em cheio o nariz do outro. - Filho da puta!! - Exclamou o jogador enciumado, com o nariz escorrendo sangue. - Nariz de vidro, e olha que você joga um esporte de contato. - Mal Gabriel fez seu comentário e os outros dois jogadores vieram pra cima dele, em meio à saraivada de socos desengonçados dos agressores ele não conseguiu contra-atacar, apenas se defendia, até que um dos que seguravam Dylan o acertou na nuca, desmaiando-o. - Ele não fez nada, vocês que começaram! - Exclamou Dylan se soltando o outro que o prendia sozinho, e indo para perto de Gabriel, quando foi empurrado no chão por Noah. - Ele vai ter a lição dele, ninguém meche com Lacross, e você vai ficar quietinho, se não será o próximo. - Ameaçou Noah, conforme os quatro outros jogadores pegavam Gabriel desacordado e o colocavam no porta-malas de um carro preto de modelo esportivo. - Esse macaco vai ter o que merece. - Comentou Noah limpando o sangue em seu nariz com a manga de sua jaqueta e entrando no carro com os outros.
Assim que Gabriel recobrou a consciência já estava sendo tirado do porta-malas e jogado em algum lugar, ele não via direito, estava zonzo. Ele sentia grama em baixo das mãos, um pouco de frio, além de estar escuro e haver sons de grilos, certamente era de noite e estava em algum lugar arborizado. No entanto ele mal se fez de pé, e alguém o atacava. Eram chupes, pisões, além mesmo pauladas com bastões de Lacross. Ele não sabia quantos o agrediam, para ele eram muitos, mas só haviam cinco ali de fato. - Está gostando macaco sul-americano de merda?! Heim?! Gosta de bancar o esperto?! Gostou de quebrar o meu nariz?! - A voz era de Noah, com certeza, mas logo a dor tomou conta, não havia o que fazer, seus ossos se partiam, seu sangue se mostrava presente, em feridas abertas e brotando pela boca. No entanto havia algo diferente, além das dores dos golpes, havia outra dor presente. Esta começou em seu peito, com seu coração acelerado e logo uma ardência tomou conta de suas veias, como se o seu sangue começasse a ferver. Aos poucos seus ossos começaram a estalar, não porque eram golpeados, mas porque se partiam e se expandiam de dentro para fora. A seguir foram seus músculos, que também começaram a se romper e a se refazer, aumentando de tamanho e fazendo sua pele saltar e se mover estranhamente. Em poucos instantes ele começou a urrar de dor, eram seus dentes, e suas unhas que davam-lhe a sensação de serem ferro quente em contato com a gengiva e os dedos. Um dos jogadores chamou a atenção dos demais, de que algo estava errado e logo eles pararam, e Gabriel se retorcia no chão, rolando e parecendo convulsionar. - Parar?! Está com peninha dele? - Noah estava decidido a continuar o espancamento, até que Gabriel urrou, porém seu som era inumano, era como um animal demoníaco ou algo que só se vê em filmes de terror. Aos poucos ele começou a se levantar, rosnando, grunhindo e arfando, seu corpo ainda estalava e fazia sons estranhos, porém agora era como se estivesse se reparando da surra para poder ficar de pé.
Os olhos dele cintilaram amarelados e de íris fina como a de um gato, tal qual sua boca exalava um odor forte e emitia vapor quente. Seu porte estava maior, e mais musculoso, não muito, mas o suficiente para se notar a mudança, além de que seus dentes eram agora presas e seus dedos tinham longas unhas, como garras. Seus olhos encaravam Noah diretamente, aqueles olhos amarelos felinos, que reluziam como ouro no escuro, gradativamente reduziram os espancadores a desesperados que corriam por suas vidas aos berros. Com suas orelhas esticadas e seu nariz encorpado, ele percebeu a posição de quem o interessava, e partiu num único e poderoso salto. Ele então correu, ainda parecia um humano, mas sua velocidade era absurda, tal qual ele se aproximou de Noah e o pegou pelo pescoço com tamanha facilidade com sua mão esquerda. - Desculpa, desculpa!! - Exclamava o capitão do time, aos prantos como uma menininha chorona, encarando uma face de olhar selvagem com cabelos avermelhados e mais longos, um tanto mais crespos. Rosnando mais e respirando quente à face de sua presa, o ser demostrava ter alguns pelos de cor bege crescendo em suas costeletas. No entanto, quando estava prestes a acertar com sua garra direita a barriga do jovem, um tiro ecoou no campo aberto onde estavam. Uma dor aguda seguida de uma sensação de dormência tomou conta das costas e logo do corpo todo da criatura, que caiu ao solo, gradativamente voltando ao seu estado humano. Dois indivíduos então se aproximaram, um homem e um jovem. O homem se aproximou de Noah e o conduziu até uma espécie de arquibancada, e lá deu a ele algo para beber, para se acalmar, e nisso o mesmo desmaiou. - Retiro o que disse antes, você não ia morrer, você ia matar. - O jovem era Dylan, e ele tentava erguer Gabriel, até que o homem que o acompanhava o ajudou, e juntos eles o levaram para a floresta.